- O uso crescente da cannabis revelou novas condições clínicas, como a Síndrome de Hiperêmese Canabinoide (SHC), caracterizada por náuseas, vômitos e dor abdominal em usuários crônicos.
- A SHC apresenta episódios cíclicos de sintomas intensos, melhora com banhos quentes e evolui em três fases: prodrômica, hiperêmese e recuperação, sendo a suspensão da cannabis o tratamento mais eficaz.
- O acúmulo de THC no organismo pode gerar um efeito paradoxal, desencadeando “reintoxicação endógena”; fatores genéticos (como COMT, TRPV1, CYP2C9, DRD2 e ABCA1) também influenciam a predisposição.
- O diagnóstico é clínico, baseado no padrão de uso e sintomas característicos; a abstinência da cannabis é essencial, e a síndrome destaca a complexidade dos efeitos dos canabinoides no organismo.
O que é a Síndrome de Hiperêmese Canabinoide (SHC)
A síndrome de hiperêmese canabinoide (SHC) é uma condição gastrointestinal rara, relacionada ao uso frequente e prolongado de cannabis. Caracteriza-se por episódios recorrentes de náuseas intensas, vômitos e dor abdominal, que se alternam com períodos de alívio dos sintomas.
Geralmente, acomete usuários crônicos de cannabis e apresenta um comportamento peculiar: muitos pacientes relatam melhora temporária ao tomar banhos quentes ou longos, um sinal clínico considerado característico da síndrome.
A SHC costuma evoluir em três fases distintas:
- Fase prodrômica – marcada por náuseas leves, desconforto abdominal e ansiedade antecipatória.
- Fase de hiperêmese – caracterizada por vômitos intensos e persistentes, dor abdominal e desidratação.
- Fase de recuperação – ocorre após a interrupção do uso da cannabis, com desaparecimento gradual dos sintomas.
Os medicamentos antieméticos convencionais, geralmente eficazes contra náuseas comuns, tendem a não surtir efeito na SHC. As evidências científicas indicam que a abstinência completa da cannabis é o tratamento mais efetivo e o único capaz de prevenir a recorrência dos episódios.
Possíveis Causas da Síndrome de Hiperêmese Canabinoide (SHC)
A causa exata da Síndrome de Hiperêmese Canabinoide (SHC) ainda não é completamente compreendida, mas a literatura médica sugere que o quadro está relacionado ao uso crônico e excessivo de canabinoides, principalmente o tetra-hidrocanabinol (THC) — o principal composto psicoativo da cannabis.
O THC é uma substância lipossolúvel, ou seja, acumula-se nas células de gordura do corpo. Com o tempo, esse acúmulo pode provocar um efeito paradoxal, no qual o mesmo composto que inicialmente reduz náuseas passa a provocá-las.
Em situações de estresse, jejum ou esforço físico intenso, o organismo ativa o processo de lipólise, liberando o THC armazenado de volta para a corrente sanguínea. Essa liberação pode gerar um quadro de “reintoxicação endógena”, resultando em náuseas intensas, vômitos e dor abdominal.
Além desse mecanismo fisiológico, estudos recentes indicam a participação de fatores genéticos e enzimáticos que afetam o metabolismo dos canabinoides e a função do Sistema Endocanabinoide (SEC). Pesquisas como a de Russo et al. (2022) identificaram mutações em genes que regulam enzimas e receptores envolvidos nesse processo, entre eles:
- COMT (Catecol-O-Metiltransferase): enzima responsável pela degradação de catecolaminas, influenciando o equilíbrio dopaminérgico e a resposta ao estresse;
- TRPV1 (receptor vaniloide tipo 1): associado à regulação da dor e da temperatura corporal; sua ativação pode explicar o alívio dos sintomas com banhos quentes;
- CYP2C9 (citocromo P450): enzima hepática essencial no metabolismo do THC; mutações podem reduzir sua depuração;
- DRD2 (receptor D2 de dopamina): relacionado à modulação da recompensa e da resposta emese (vômito);
- ABCA1 (transportador de ATP): envolvido no transporte de lipídios, o que pode influenciar a distribuição do THC nos tecidos.
Essas alterações genéticas e enzimáticas podem desequilibrar o funcionamento do SEC, interferindo na regulação de funções como náusea, apetite e temperatura corporal, e contribuindo para o aparecimento dos sintomas da síndrome.
Diagnóstico e Tratamento da SHC
O diagnóstico da Síndrome de Hiperêmese Canabinoide (SHC) é essencialmente clínico, estabelecido a partir do histórico de uso prolongado e frequente de cannabis e da presença de sintomas típicos, como náuseas intensas, vômitos recorrentes e alívio temporário com banhos quentes — um sinal considerado distintivo da síndrome.
Exames laboratoriais e de imagem são geralmente utilizados apenas para excluir outras causas gastrointestinais que possam produzir sintomas semelhantes.
O tratamento mais eficaz consiste na abstinência completa da cannabis, medida que costuma levar à melhora significativa dos sintomas em poucos dias e à recuperação total em semanas. Durante os episódios agudos, podem ser empregados medicamentos como anti-histamínicos, benzodiazepínicos e antagonistas dopaminérgicos, embora sua eficácia seja limitada.
A hidratação adequada e o restabelecimento do equilíbrio eletrolítico são fundamentais durante as crises para prevenir complicações, como desidratação grave e alterações metabólicas.
Considerações finais
A Síndrome de Hiperêmese Canabinoide (SHC) representa um fenômeno paradoxal e multifatorial, que desafia a compreensão tradicional dos efeitos benéficos e terapêuticos da cannabis.
Com o avanço das pesquisas sobre o Sistema Endocanabinoide e os fatores genéticos e bioquímicos que modulam a resposta individual aos canabinoides, espera-se compreender melhor por que, em certos indivíduos, a cannabis deixa de atuar como agente terapêutico e passa a desencadear efeitos adversos graves no trato gastrointestinal.

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